domingo, 31 de maio de 2015

Uma Imagem, Duas Muralhas


Se uma muralha é feita pelo homem, a outra é humana.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Crítica: Corações de Ferro | Um Filme de David Ayer (2014)


Abril de 1945. Enquanto os aliados fazem sua incursão final pelo território alemão na última fase da Segunda Guerra Mundial, o sargento Don “Wardaddy” Colier (Brad Pitt), responsável por um pequeno grupo de soldados americanos e um debilitado tanque Sherman batizado pelo nome de Fury avançam sob o fogo inimigo quase sempre em desvantagem estratégica e numérica. Os dias quase sempre oscilam entre uma tensão perturbadora e uma violência desmedida. Obstinado por manter a sobrevivência do grupo sob os maciços ataques das tropas nazistas, ao mesmo tempo em que precisa treinar um despreparado novato, Wardaddy é enviado junto aos seus homens em uma difícil missão atrás das linhas inimigas e que provará toda sua importância dentro dessa interminável guerra sangrenta. “Corações de Ferro” (Fury, 2014) é um drama de guerra escrito e dirigido por David Ayer (responsável por filmes como “Marcados para Morrer”, “Sabotagem” e “Reis das Ruas”). Conhecido roteirista de Hollywood, Ayer tem demonstrado a cada trabalho uma crescente evolução como diretor. A prova disso vem na forma desse intenso drama de guerra de atmosfera angustiante e reconstituição de época competente. Ao imprimir um realismo brutal em sua história, Ayer entrega um longa-metragem de massacres sangrentos, violência bélica extrema e alguma profundidade narrativa relevante. O filme não se impede de modo algum em mostrar o efeito venenoso consequente da guerra que contamina esse pequeno grupo de homens de maneira crua, que como consequência, simplesmente transporta o espectador para as perigosas trincheiras. Na verdade, esse é um aspecto interessante dessa obra, evidentemente entre outros mais, que exibe o verdadeiro propósito desse longa-metragem e o difere de punhado de outros filmes ambientados nessa sempre relembrada guerra.


Corações de Ferro” não tem como objetivo lançar um olhar inédito sobre a guerra, embora o acompanhamento mais próximo de um pequeno grupo de soldados confinados as dependências de um tanque de guerra é uma exploração nova do ambiente do front de batalha para formato. E Ayer explora esse aspecto ao máximo no decorrer do filme, pois recheia o desenvolvimento com bons diálogos que familiariza o espectador não somente com algumas nuances dos soldados, como com a da mecânica do artefato também. Além do mais, o cineasta elabora uma sequência de batalha de tanques no estilo do videogame Batterfield de grande originalidade ao gênero. Mas essa produção não é apenas um desfile de artilharia bélica de poderio grandioso resultante de uma produção fluente ou um espetáculo pirotécnico magistral conferido por uma reconstituição de época formidável. “Corações de Ferro” apresenta personagens de contornos bem-sucedidos (que simplesmente não despertam simpatia em sua imediata apresentação, mas no decorrer do tempo em que se passam os acontecimentos), entregues por atuações convincentes sobre um drama metodicamente ajustado. A história tem um propósito prioritário em seu vasto conjunto qualidades: mostrar que independente de como ou quando a guerra irá acabar nada mais será como antes (esse aspecto é exibido numa tensa sequência nas dependências de uma residência alemã durante uma bem-intencionada refeição). As mudanças da natureza humana atingiram um ápice de estranheza aos próprios homens. O que de certo modo incendeia a relação do grupo, ora tomados por um sentimento de solidariedade mútuo com direito a altos e baixos, ora exibindo demonstrações de hostilidade desregrada que resultam em momentos dramáticos e tensos de grande genialidade. Se a primeira vista o desfecho clichê de motivações heroicas soe um pouco forçado ao espectador, também é preciso lançar um olhar mais profundo sobre o conjunto da obra de Ayer para compreender essa resolução adotada. Por fim, “Corações de Ferro” é uma surpresa para o gênero que merece ser descoberta.

Nota:  8/10

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Crítica: Sem Dor, Sem Ganho | Um Filme de Michael Bay (2013)


O ano é 1995. Daniel Lugo (Mark Wahlberg) é um patriótico personal trainer que acredita cegamente no “sonho americano”. Tanto acredita como também sabe o quanto é difícil realiza-lo. Falido e alienado por palestras de autoajuda, Daniel não consegue ver chances para alcança-lo a não ser através da ilegalidade. E chegando a essa equivocada constatação, ele traça um ambicioso plano criminoso com a ajuda de alguns colegas, o deslocado Adrian Doorbal (Anthony Mackie), um fisiculturista que sofre de impotência sexual devido ao uso excessivo de anabolizantes e o ex-presidiário Paul Doyle (Dwayne Johnson), um brutamontes convertido ao cristianismo e viciado em drogas, que vão sequestrar e extorquir cada centavo da fortuna de um bem-sucedido empresário da Flórida, o insuportável Victor Kershaw (Tony Shalhoub). No entanto, com pouco talento para o crime e nenhum cérebro criminoso presente na quadrilha, eles irão descobrir que essa jornada para o sonho americano através do crime não será tão fácil de conquistar, ou pelo menos duradoura. “Sem Dor, Sem Ganho” (Pain & Gain, 2013) é uma produção estadunidense de humor negro baseada em fatos reais.  Escrito por Christopher Markus e Stephen McFeely, o filme também é dirigido por Michael Bay (o responsável por inúmeros sucessos comerciais e consequentes fracassos de crítica). Curiosamente essa produção tem em seu enredo um aspecto que casa bem com o perfil de seu realizador, que invariavelmente ostenta em seus filmes uma forçada supremacia norte-americana sobre outras culturas. Sendo assim o mais patriótico dos cineastas americanos consegue extrair da absurda trajetória de vida de Daniel Lugo e sua trupe o material necessário para projetar ao espectador todos os seus anseios fervorosos de patriotismo de modo escrachado.
 
Sem Dor, Sem Ganho” tem sua base em eventos reais, embora ganhe contornos absurdos pela câmera de Bay. Praticamente o diretor faz uma espécie de paródia sobre o patriotismo com base na história real, e que como de costume em seus trabalhos, o desenvolvimento da trama é marcado por sua afeição desmedida pelos excessos visuais. E mesmo que menos preponderantes, ainda estão presentes nas cores, nos cortes rápidos e nos enquadramentos. Mas ocorre algo inesperado no resultado dessa sua incursão por uma trama sem atrativos artificiais (leia-se Transformers). Se no passado o estado de caos que se instalava na película elaborada de Bay desfalcava o conjunto e causava certa irritação aos sentidos, aqui o efeito é contrário. Quanto mais caótico, melhor vai ficando o desenvolvimento da trama, o que rende boas passagens de humor para a sua versão da história. Liberdades foram tomadas, isso é óbvio. A soma disso é que a transposição cinematográfica de Bay é recheada de situações sem coerência protagonizadas pelo trio composto por Mark Wahlberg, Dwayne Johnson e Anthony Mackie, que de tão absurdas, são difíceis de serem levadas a sério. O tom de descompromisso com a realidade é o grande atrativo desse longa-metragem. E essa dificuldade de associar os acontecimentos do filme a fatos, faz dessa produção uma surpresa agradável. Com ótimas atuações, com destaque para Ed Harris (o homem responsável pela captura e julgamento dos despreparados criminosos) e um condicionamento técnico exuberante, “Sem Dor, Sem Ganho” está longe de ser um grande filme inspirado em fatos reais. Na verdade, ele é tão estranho quanto à ficção, como também pode ser considerado um dos melhores filmes de seu realizador em anos.

Nota:  7/10

terça-feira, 26 de maio de 2015

Caçadores de Emoção 2015


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Crítica: O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas | Um Filme de Jonathan Mostow (2003)



O que veio primeiro? O ovo ou a galinha? Bem... Filmes que abordam eventos onde a viagem no tempo é um elemento fundamental dentro da trama correm inevitavelmente um risco tremendo de deixar furos no roteiro e lacunas imperdoáveis, e essa produção intitulada "O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas" (Terminator 3: Rise of the Machines, 2003) está repleta de discordâncias e problemas de roteiro que se arrastam desde “O Exterminador do Futuro 2 - O Julgamento Final, dirigido por James Cameron (1991), apesar dos filmes realizados por Cameron serem narrativamente mais bem acentuados. Nessa terceira parte, o futuro e o presente se confundem de tal maneira que a única explicação para a existência do futuro é de que ele já faz parte de um hipotético passado. E se a empresa Skynet teve sua ascensão a partir de restos do primeiro Exterminador destruído por Sarah Connor (Linda Hamilton) em “Exterminador do Futuro” (1984), o que veio primeiro, afinal de contas?

Na trama de “A Rebelião das Máquinas”, acompanhamos John Connor (Nick Stahl) cerca de sete anos depois da explosão da Cyberdine ocorrida em 1997. Connor vaga pelo mundo como um nômade fugindo de seu destino depois de adiar o “O Julgamento Final”. Como solução encontrada pelas máquinas no futuro por não conseguirem localizar Connor no passado depois dos eventos ocorridos devido a explosão da Cyberdine, as máquinas enviam então uma Exterminadora, a T-X (Kristanna Loken) para matar os possíveis generais de Connor como forma ganhar uma vantagem estratégica na guerra em homens e máquinas. Porém a resistência também envia do futuro um exterminador, o T-850 (Arnold Schwarzenegger), reprogramado para deter a exterminadora e proteger Connor e Katherine Brewster (Claire Danes), peças fundamentais na guerra contra as máquinas.

As maiores qualidades dessa produção consistem unicamente em sua realização conturbada, desde a indefinição do ator Arnold Schwarzenegger em aderir ao projeto, pelo fato de James Cameron não estar envolvido na direção, ao orçamento que para época era exorbitante (200 milhões). O diretor Jonathan Mostow deu uma de Jan De Bont, que em “Velocidade Máxima 2” criou uma cidadela cinematográfica perfeita em sua composição, para destruí-la em apenas uma sequência. Mostow, também construiu uma rua inteira para destruir com a passagem de um guindaste em uma perseguição que remete à lembrança de “O Dia do Julgamento”, tamanha a pretensão de conseguir resultados a altura como os obtidos por Cameron com seus os filmes.


O elenco funciona na medida da produção, com um John Connor afetado pela falta de familiaridade com o personagem, ao mesmo tempo em que o robô interpretado por Schwarza está mais robotizado do que nunca. Claire Danes é chave da trama, apenas no contexto da franquia, pois sua interpretação não supera a via-crúcis que Linda Hamilton passou para salvar seu filho. Enquanto a belíssima exterminadora, totalmente desprovida de emoções faciais, esboça um sutil sorriso apenas quando incorpora a aparência do exterminado namorado de Katherine Brewster numa cena que remete novamente ao filme anterior a essa produção. 

E como todo trabalho de Mostow faz pastiche de “O Julgamento Final”, seguindo a fórmula de sucesso suplantada por Cameron, a direção inflaciona a ação e exagera nas sequências explosivas como atributo narrativo, enquanto o roteiro de John D. Brancato, Michael Ferris e Tedi Sarafian brinca com isso, criando algumas vezes de forma inusitada bons momentos de humor, como quando inserem o Doutor Sullivan na trama, numa ocasião onde satiriza o papel de médico e paciente ainda atormentado pelos acontecimentos passados anos atrás. Porém as cenas de ação não convencem pela falta de criatividade, tão marcantes nos filmes anteriores. Mas trilha sonora de Marco Beltrami (Duro de Matar 4.0) funciona de forma sistemática enriquecendo a climatização das sequências. 

O filme “O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas” não é de todo mal, apesar de desconecto com a qualidade narrativa incrementada por Cameron. Tem cenas de ação legais e muitos efeitos visuais bacanas na mesma proporção que há passagens que fazem qualquer fã da franquia entortar o nariz. Com um roteiro incapaz de criar outros jargões cool como "Hasta la vista, baby" e "Ill be back", a história até esse episódio não pede simplesmente mais uma sequência conveniente a franquia, mas grita em alto e bom tom por isso após um desfecho arriscado e apocalíptico que parecia  um obstáculo  ultrapassada.

Nota: 6/10

domingo, 24 de maio de 2015

Crítica: Caçadores de Emoções | Um Filme de Kathryn Bigelow (1991)


Johnny Utah (Keanu Reeves) é um agente do FBI disposto a desmantelar uma quadrilha de assalto a banco que tem atuado incessantemente na Califórnia. Trabalhando em parceria com Angelo Pappas (Gary Basey) um experiente policial que possui pistas de que os assaltantes são possivelmente surfistas, Johnny traça um plano de incursão ao mundo do surf para chegar aos supostos criminosos. E no decorrer desse plano, Johnny logo conhece Bodhi (Patrick Swayze), uma popular figura do meio do surf local e um viciado em adrenalina disposto a tudo para viver a vida intensamente. Aos poucos se tornam amigos, e Johnny passa a se familiarizar com a filosofia de seu novo amigo: para viver uma grande aventura, também é preciso se aventurar. Porém, cada vez mais próximo da solução do caso, Johnny é confrontado com os segredos em volta de Bodhi e de seus amigos, como também pelo dilema de cumprir com suas obrigações policiais ou seguir a doutrina radical proferida por esse influente sujeito. “Caçadores de Emoções” (Point Break, 1991) é uma produção de ação estadunidense escrita por W. Peter IIif e dirigida por Kathryn Bigelow. Embora se trate de um filme de 1991, o primeiro sucesso comercial da diretora ainda preserva seus contornos de inovação intactos (o filme faturou cerca de três vezes mais do que custou e aos poucos virou obra de culto por parte de uma boa gama de espectadores). Com cenas de paraquedismo vertiginosas, assaltos à mão armada de resultado vibrante, perseguições carregadas de adrenalina e com belíssimas imagens de surf capturadas pela câmera da diretora, essa produção envelheceu de modo saudável e não fazendo feio diante de outros filmes ícones de ação da década de 90.


Kathryn Bigelow confere a “Caçadores de Emoções” contornos arrojados. Sua trama que exibe vários aspectos do estilo de vida dos surfistas, como a da própria década em que se passa. A tão famigerada quadrilha que num lance de busca por uma intensificação de suas vidas se lançam através da audácia em perigosos roubos a banco, não necessariamente por ganância ou algum status, mas pela adrenalina extremada e a emoção que essa ação confere, a diretora Kathryn Bigelow apresenta uma história bem ambientada com personagens de psicologia de grande riqueza. Com um Keanu Reeves em processo de ascensão de carreira e um Patrick Swayze legitimado por conhecidos sucessos, o filme equilibra bem momentos de ação e dramaticidade com habilidade, além de conseguir ser acrescido por um par romântico onde Lori Petty e Reeves entregam performances de grande química. O trabalho de Bigelow é de uma qualidade técnica impecável, indo do próprio visual ao ritmo do desenvolvimento de um modo fascinante (o filme foi produzido por ninguém menos do que pelo cineasta James Cameron). O fascinante universo esportista cercado de praias e ondas se mescla com as ações contraventoras de forma natural, como as obrigações policiais começam a se tornar um dilema na vida de Johnny Utah pela abordagem fluente do enredo (Keanu Reeves começa hesitar em cumprir com suas obrigações depois que passa a considerar os membros da gangue quase como uma família). “Caçadores de Emoções” não é apenas mais uma produção de ação moderna e bem-feita, carregada de explosão e rebeldia de uma ponta a outra, mas também é a soma de vários elementos bem-sucedidos. O enredo por sua vez, controverso em teoria funciona contra todas as probabilidades, e ainda o observando com o devido cuidado, também podemos ver um filme poderoso de personagens fiéis as suas obstinações.

Nota:  8/10

sábado, 23 de maio de 2015

Spawn | O soldado do inferno chamando a atenção de fãs

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Crítica: Dois Dias, Uma Noite | Um Filme de Jean Pierre Dardenne e Luc Dardenne (2014)


Sandra (Marion Cotillard) esteve afastada por um tempo do trabalho decorrente de uma depressão, e quando retorna a empresa, descobre que em sua ausência seus colegas de trabalho foram persuadidos a fazer uma escolha: eles poderiam absorver todas as atividades de Sandra e receber um bônus salarial por isso, ou reintegra-la a equipe quando ela estivesse pronta para voltar as suas funções. A princípio o veredicto se mostrou contra ela, mas Sandra tem a chance de mudar isso. Ela tem exatamente um final de semana para visitar cada um de seus colegas de trabalho e convencê-los de abrir mão do bônus e permitir sua reintegração ao quadro de funcionários para manter o seu emprego. “Dois Dias, Uma Noite” (Deux Jours, Une Nuit, 2014) é um drama belga-francês escrito, produzido e dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, como também a personagem principal é protagonizada pela atriz revelação Marion Cotilard (a atriz concorreu ao prêmio de Melhor Atriz na Cerimônia do Oscar 2015). Essa produção tem uma proposta simples: retratar de um modo bem particular o panorama do mercado de trabalho da atualidade, onde a ganância tem suprimido crescentemente qualquer resquício de humanidade dentro de um ambiente empresarial comum. Os irmãos Dardenne entregam um longa-metragem que foi bem elogiado pelo site The Hollywood Reporter, como da crítica em geral. O trabalho de seus realizadores tem um curioso olhar contemporâneo sobre o egoísmo e a solidariedade com um toque de reflexão típico do cinema europeu.


Dois Dias, Uma Noite” não se censura em mostrar o calvário que a classe operária passa para sobreviver nos tempos atuais. A situação econômica se mostra difícil no mundo inteiro, e por isso o desenvolvimento do evento mostrado na Europa, mais especificamente na Bélgica, poderia facilmente ser transferido a qualquer lugar do mundo sem se mostrar artificial. Portanto, o enredo dessa produção necessariamente aborda uma questão global em constante crescimento: o individualismo e a ganância tem consumido qualquer traço de solidariedade dentro do ambiente empresarial. E isso é fato. Os irmãos Dardenne mostram com muito arrojo esse panorama, como também a atriz Marion Cotilard contribui de forma vital para isso através de sua talentosa atuação, embora seja margeada por inúmeros desempenhos fracos no decorrer de sua difícil trajetória pela tela. Extraindo de modo bem direto as mais variadas reações de seus colegas de trabalho durante a cruzada de Sandra para preservar seu emprego, os irmãos Dardenne articulam de modo inteligente as situações e obtêm um nível sucesso agradável em seu trabalho. E isso não se refere apenas a ideia em si, ou propriamente no texto adotado para materializar toda a ação, mas na forma como foi filmado e apresentado (de modo imparcial e sem apelações ao sentimentalismo). A culpa é de certo modo do sistema, implacável com a classe operária que não tem outra saída a não ser continuar sua luta pela sobrevivência. Mas a falta de sentimentalismo também sabota um pouco o conjunto da obra, que como consequência disso trás uma falta de objetividade na proposta oferecida, resultando numa comoção oscilante, como também de intensidade muito relativa dependendo do espectador. Sobretudo, a proposta de “Dois Dias, Uma Noite” é uma análise honesta da natureza humana em tempos difíceis, desenvolvida a partir de uma premissa curiosa e inédita se minha memória não me engana, sendo desenvolvida com certa astúcia e perfeitamente amparada por uma atuação formidável de Marion Cotillard.

Nota:  8/10

Cartaz Alternativo de Quarteto Fantástico


As expectativas são boas para o reboot de "Quarteto Fantástico" (Fantastic Four, 2015). E se a releitura dos super-heróis da Marvel for tão bacana quanto alguns cartazes alternativos que tem surgido por aí, o filme será um verdadeiro espetáculo. Um bom exemplo é esse cartaz clean e profundo de natureza alternativa realizado por 3ftDeep (também responsável por criações visuais brilhantes de vários outros filmes de sucesso) e que aqui, mescla todos os poderes dos jovens heróis em uma única imagem de modo formidável. Visualmente elegante e criativo, o cartaz esbanja presença e equilíbrio. O filme estrelado por Kate Mara, Michael B. Jordan, Jamie Bell, Miles Teller, Tim Blake Nelson e Toby Kebbell, tem o roteiro de Simon Kinberg (X-Men: Dias de um Futuro Esquecido) e direção de Josh Trank (Poder Sem Limites).

O longa-metragem será lançado em 6 de agosto de 2015.


quinta-feira, 21 de maio de 2015

Crítica: Golpe Duplo | Um Filme de Glenn Ficarra e John Requa (2015)


Nicky Spurgeon (Will Smith) é um vigarista profissional de um talento impressionante. Roubar, iludir, mentir e aplicar golpes complexos é sua especialidade. Sua e de sua equipe. Ele é o chefe de uma enorme quadrilha de outros experientes golpistas que saem pela cidade aplicando golpes e inúmeros furtos por onde passam sem deixar rastros ou migalhas as suas vítimas. Por acaso uma jovem garota, Jess (Margot Robbie) uma aspirante ao crime cruza o seu caminho de Nick, e após uma avaliação prática passa a integrar a equipe por um pequeno espaço de tempo antes de ser demitida do grupo após um milionário golpe. Entretanto o seu afastamento não ocorre por nada. Quando Jess começa a mexer de verdade com o coração de Nicky, a reação de afasta-la torna-se a solução inevitável. Mas quando alguns anos depois, quando Nick envolvido em um novo grande golpe voltar a cruzar com ela, os demônios de sua relação com Jess voltam a atormentar suas decisões e o sucesso de seu trabalho. “Golpe Duplo” (Focus, 2015) é uma produção estadunidense de ação, comédia e romance escrita e dirigida por Glenn Ficarra e John Requa (responsáveis pela direção da comédia “Amor a Toda Prova). O trabalho de ambos os realizadores é previsivelmente divertido, inventivamente limitado e de condução ágil e ritmo acelerado. Essa produção entrega boas doses de entretenimento escapista com requintes e o verniz do cinema moderno feito sob medida para agradar. Na mesma linha de “Truque de Mestre” e “Onze Homens e um Segredo”, “Golpe Duplo” tem o seu charme, embora não faça frente a outros grandes filmes protagonizados por exímios golpistas.


Golpe Duplo” tem um desenvolvimento que simplesmente deslancha em tela, e mesmo que patine em alguns aspectos consegue prender a atenção com um bom nível qualidade. Isso porque tudo se completa de forma projetada, com os requintes de produção bem feita que combina recursos técnicos e estéticos com grande funcionalidade. O roteiro é mais do ajustado ao que se propõe. E se às vezes isso soe forçado aos sentidos, esse maniqueísmo também se mostra necessário à proposta (um diálogo a certa altura vai ganhar uma materialização visual em outro ponto da trama, como um mero figurante numa mesa de poker que acaba de perder uma mão milionária ganha funcionalidade em outra cena chave). Mas não se trata somente de um filme de brilhantismo técnico que segue uma receita cinematográfica dada como certa para o sucesso. A dupla composta por Will Smith e Margot Robbie funciona de modo genial, um diferencial de efeito primoroso dentro do gênero no qual habita, conferindo clima glamoroso ao crime e uma atmosfera de realismo a ação que está repleta de reviravoltas surpresas bem efetivadas. A mentira e a verdade ganham sobressaltos em tela que chamam a atenção. Curiosamente Rodrigo Santoro, uma das figuras de destaque da trama consegue uma interpretação dentro dos parâmetros esperados para uma produção do quilate desta, como a perspectiva didática do crime que combinada com boas doses de humor intensificam as reações positivas em relação ao conjunto da produção. Relevando a escolha de título clichê dada à versão nacional desse filme, “Golpe Duplo” tem o seu brilho, mesmo que essa glamorização do crime soe pouco original e inquestionavelmente batida. Vale como entretenimento leve e descompromissado.

Nota:  7/10

domingo, 17 de maio de 2015

Crítica: As Aventuras de Pi | Um Filme de Ang Lee (2012)



Depois de muitos anos, Hollywood conseguiu transpor o best-sellerA Vida de Pi”, de Yann Martel para o cinema. Não foi uma tarefa fácil, já que o projeto passou durante anos por diferentes cineastas de respeito (M. Night Shyamalan, Alfonso Cuarón e Jean-Pierre Jeunet) até aterrissar nas mãos do diretor chinês Ang Lee, que se adaptou bem a tarefa de adaptar a fantástica história de sobrevivência e fé de Pi Patel. Inclusive o autor afirmou ser uma história de difícil transposição para a telona. Apesar de que credibilidade não lhe faltava desde quando encantou o mundo com a sua inusitada história de amor entre dois cowboys tipicamente americanos no longa-metragem “O Segredo de Brokeback Mountain”. Em “As Aventuras de Pi” (The Life of Pi, 2012), o diretor soube com perfeição abordar a premissa apaixonante do livro de Martel sobre a trajetória do protagonista Pi Patel através de cenários fantásticos e reflexões sobre questões delicadas da natureza humana. Em sua história podemos acompanhar os acontecimentos extraordinários que envolvem Piscine Molitor Patel (Suraj Sharma quando adolescente, e Irrfan Khan, na condição adulta) o filho mais novo do dono de um zoológico da Índia localizado na cidade de Pondicherry. Após anos cuidando do zoológico o pai do garoto decide vender o empreendimento devido à retirada dos incentivos dados pela prefeitura local e a inviabilidade de mantê-lo. A solução encontrada pela família para a falência foi se mudar para o Canadá, onde poderiam vender os animais por um bom preço e dar retomada a vida. Mas o cargueiro onde todos viajam, e inclusive toda fauna que residia no zoológico acabam naufragando por ventura de uma enorme tempestade. O jovem Piscine, “Pi” como era chamado, consegue milagrosamente sobreviver ao naufrágio. Teoricamente seguro em um bote salva-vidas após a tempestade, o jovem tem a infelicidade de descobrir que precisa dividir o pouco espaço disponível no barco com uma zebra indefesa, um simpático orangotango, uma traiçoeira hiena e um tigre de bengala chamado Richard Parker. De certo modo, Richard Parker será a pior e a melhor coisa que poderia acontecer na vida de Pi Patel.


Descrever “As Aventuras de Pi” sem deixar desagradáveis spoilers escaparem não é uma tarefa das mais fáceis. O brilhantismo dessa produção se esconde em alguns segredos que o rondam. Após um primeiro ato realístico, que descreve particularidades que envolvem o jovem protagonista (a origem de seu nome, sua indecisão quanto ao caminho religioso que tomará permanentemente, uma curta paixão) abre-se a margem para um segundo ato, que ocorre a partir do naufrágio, onde a trama se direciona para a estranha relação de Pi com Richard Parker (essa que envolve medo, a conquista de respeito e espaço, até tornar-se ao final, um singelo companheirismo). O trabalho de Ang Lee apresenta uma dramática discussão sobre religião, existencialismo, simbologia, sobrevivência e acima de tudo, sobre os rumos que o destino nos tem reservado. Prepare o coração, pois a tensão no desenrolar dos acontecimentos prende a atenção do espectador do começo ao fim, desde o relato documental dos fatos até a perspectiva inverossímil do destino. Praticamente todo rodado dentro de um estúdio, que possibilitou a criação de uma atmosfera perfeita para acomodar de maneira convincente as pretensões desse projeto, Ang Lee conseguiu um resultado brilhante visualmente e delicado aos sentidos. O céu e mar por vezes se confundem, e a prisão infinita do horizonte, dão as dimensões precisas do desespero do náufrago. Sem contar com a presença do faminto tigre, em sua maior parte criado digitalmente, que inflaciona o perigo da condição do náufrago. O uso de efeitos visuais na criação dos animais foi mais do que necessária para dar a devido perfeição a produção. Pois, de certo modo, Richard Parker praticamente contra cena emotivamente com Pi, deixando claro que não se trata apenas um passageiro perigoso, mas de uma criatura viva com necessidades e dificuldades a serem atendidas. Seria impossível extrair de um animal real toda a performance apresentada pelo CGI.

De elenco desconhecido, exceto pela pequena ponta de Gérard Depardieu como cozinheiro do cargueiro, nenhum nome de astro habita o casting dessa produção. “As Aventuras de Pi” é a terceira indicação do Oscar ao cineasta Ang Lee, onde já teve indicações por filmes como: “O Tigre e o Dragão” (melhor filme estrangeiro em 2001) e pelo O Segredo de Brokeback Mountain” (melhor diretor em 2006). Essa produção percorreu a premiação com 11 indicações ao Oscar. Dentre todas as qualidades de “As Aventuras de Pi”, a narrativa sobre a perspectiva mágica da história é a mais enfática. O realismo criado pelos efeitos visuais tem toda a sua importância dentro da trama, porém não se equivale ao brilhantismo com que a fantasia do enredo é mostrada. E se para alguns o filme não seja tão brilhante comparado à premissa fantástica (um jovem isolado no Oceano Pacífico num bote salva-vidas com um tigre de bengala) se desvencilhe do é possível, e abra seu coração para o fantástico mundo de Pi, e consequentemente o de Ang Lee também. 

Nota: 8,5/10

sábado, 16 de maio de 2015

Crítica: Amor à Primeira Briga | Um Filme de Thomas Cailley (2014)


O que viria de ser apenas mais um verão na vida de todos, logo se mostra que a vida ganhará novos rumos. Com a morte do pai, Armaud (Kevin Azaïs) a contragosto procura ajudar o seu irmão com os negócios da família, ao mesmo tempo em que vive o dilema de se juntar as Forças Armadas que estão fazendo o recrutamento em sua cidade. Nesse tempo surge Madeleine (Adèle Haenel), uma garota bastante peculiar de poucos amigos e nenhuma simpatia que quer se juntar ao curso de verão do exército para se preparar para ingressar no mais difícil regimento. Completamente fascinado por ela, Arnaud vê suas dúvidas em relação ao seu futuro se dissipar e a segue em seu sonho, que automaticamente passa a ser o seu também. “Amor à Primeira Briga” (Les Combattants, 2014) é uma comédia dramática francesa dirigida por Thomas Cailley (realizador de um curta-metragem premiado chamado “Paris-Shangai). Com o roteiro escrito pelo próprio Cailley em parceria com Claude Le Pape, seu longa-metragem de estreia surge como sendo uma estranha incógnita. Considerando que o cineasta entrega um filme de inquestionável respeito, com boas qualidades, ainda assim o resultado dessa empreitada não seja coerente com a enxurrada de prêmios de peso que recebeu em alguns festivais de renome. O filme até tem o seu brilho, mas não a ponto de se destacar com vantagem dentre outros vários exemplares do cinema francês, se mostrando apenas como uma comédia romântica eficiente.


Amor à Primeira Briga” eleva a máxima à popular expressão: “os opostos se atraem”. É interessante ver a forma como Thomas Cailley arquiteta de forma simples e funcional a combinação de pessoas tão diferentes. Enquanto Madeleine é a materialização humana da atitude, nervosa e impaciente as suas ansiedades pessoais; Arnaud é feito de paixão e sensibilidade, suscetível a mais leve brisa de instabilidade. Thomas Cailley trabalha com habilidade essa relação, onde pessoas tão diferentes unem-se em um objetivo comum, obviamente auxiliado pelo talento dos jovens atores que conseguem conferir aos seus personagens uma proximidade de ações e reações de grande naturalidade. Mas essa qualidade vai se perdendo ao decorrer da trama que não reserva grandes surpresas, ou pelo menos alguma realmente válida ao espectador que espera algo mais da história. Embora exiba muitas belezas, visuais principalmente, o filme carece de uma exploração mais ambiciosa para o destino dos personagens. Algo por exemplo que nos faça torcer pelos personagens do começo ao fim. Sobretudo, “Amor à Primeira Briga” é um filme bonito em sua aparência, com uma história simples abordada com sinceridade, mas de alcance limitado que não justifica aos meus olhos tantos prêmios que recebeu.

Nota:  6,5/10

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Crítica: A Praia | Um Filme de Danny Boyle (2000)


Richard (Leonardo DiCaprio) é um jovem mochileiro que está algum tempo viajando pelo mundo atrás de novas descobertas. A busca pela expansão de territórios lhe confere uma saborosa sensação de liberdade. Num hotel de quinta categoria localizado em Bangcoc, ele conhece um casal de jovens franceses – Étienne (Guillaume Canet) e Françoise (Virginie Ledoyen) – com quem faz uma comprometida amizade. E no mesmo hotel, numa estranha noite ele também conhece Dafty (Robert Carlyle), uma assustadora figura que revela a Richard a existência de uma idílica ilha na baía de Maya, que é anunciada como um lugar perfeito. De posse de um mapa, Richard segue com o casal para o destino, e lá se deparam com uma plantação de maconha cultivada por guerrilheiros tailandeses e uma comunidade secreta naturalista liderada por Sal (Tilda Swinton). Mas nesse distante paraíso onde parecia que não havia problemas que pudessem abalar a harmonia desse oásis, algumas verdades incômodas rompem a aparência hospitaleira que se parecia tão consolidada nesse grupo de eremitas. “A Praia” (The Beach, 2000) é uma aventura baseada no best-seller de Alex Garland sobre um mochileiro moderno que busca uma forma não ortodoxa de fazer turismo pela Ásia. Dirigido por Danny Boyle (responsável por filmes como “Trainspotting”, “127 Horas”, entre outros), essa produção é o primeiro filme estrelado por Leonardo DiCaprio depois do sucesso “Titanic”, sucesso de bilheteria dirigido por James Cameron. E para o espanto de muitos, ainda consegue surpreender alguns fãs com o seu processo de amadurecimento de interpretação.

   
Em resumo, “A Praia” é uma produção intensa, ligeiramente decorada com algumas referências cinematográficas e boas sacadas de câmera que conferem um apuro visual estonteante ao conjunto, mostrando de como Danny Boyle obteve uma transição saudável para cinema Hollywoodiano. Uma transição normalmente fatídica para realizadores de outras nacionalidades que não estão preparados. Se o filme tem em seu prelúdio os contornos visuais de “A Lagoa Azul”, passa para uma transição sangrenta com toques de violência típicos de “Pulp Fiction”, e no final das contas resulta na alienação perturbadora de “O Franco Atirador”. A consequência disso vem na forma de uma variedade de emoções diferentes no mesmo longa-metragem, embora nem todas soem tão agradáveis quanto necessárias para o desenvolvimento da trama (a cena do ataque de tubarões a uma dupla de membros da comunidade é perturbadora aos espectadores mais sensíveis). Enquanto DiCaprio ainda se desprendia da convivência do sucesso de “Titanic”(o ator desfrutou por mais de um ano de festas e viagens sem se decidir o que fazer de sua carreira), e Boyle desfrutava dos merecidos louros de “Trainspotting”, eu particularmente julgo o resultado de “A Praia” como sendo o mais fraco longa-metragem da carreira de ambos os envolvidos. Sobretudo, “A Praia” tem os seus atrativos permeados pelo desenvolvimento, seja em sua aparência ou na própria história. Mas é certo dizer que não se trata de um filme icônico na carreira de ambos, ou ainda assim, nos corações de fãs.

Nota:  6/10

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Crítica: V de Vingança | Um Filme de James McTeigue (2005)


“Lembrai, lembrai do cinco de novembro
A pólvora, a traição, o ardil
Por isso não vejo porquê esquecer
Uma traição de pólvora tão vil”
Frase proferida pelo personagem principal a certa altura do filme.

Numa Inglaterra futurista assolada por um regime autoritário imposto pelo o fascista Chanceler Adam Sutler (John Hurt), o país sofre pelas imposições feitas pelo estado maior. Decorrente da decadência dos Estados Unidos em função de uma Guerra Civil fatal, o Reino Unido com receio de seguir o caminho de sua nação irmã, o governo toma providências radicais para evitar esse mal, isso através de medidas políticas controversas. Num cenário de pouca liberdade e muita restrição, uma jovem funcionária de uma emissora de TV chamada Evey Hammond (Natalie Portman) viola o toque de recolher e é salva de uma tentativa de estupro pelo mascarado anarquista V (Hugo Weaving), cuja face é coberta por uma máscara do lendário conspirador inglês Guy Fawkes. Esse herói surge das sombras e de um passado esquecido do Reino Unido, buscando vingança, justiça sobre aqueles que propagaram medo e desolação no povo. Através da aplicação de uma ideia lúdica e radical, a qual o personagem prega a liberdade como uma ideia que não deve ser esquecida ou ignorada, tanto pelo direito de tê-la como por sua importância diária, esse enigmático mascarado chamado V, luta para provar a todos que não é, e sim que está lutando contra uma grande ameaça, ao mesmo tempo em que Evey se revela aos poucos uma ferramenta fundamental nessa revolução onde deixa de ser apenas mais uma vítima desse sistema governamental opressivo. "V de Vingança" (V for Vendetta, 2006) é uma produção dramática baseada na graphic novel criada por Alan Moore e David Lloyd, e adaptada para o cinema pelos irmãos Andy e Larry Wachowski (responsáveis por filmes como: “Matrix”, “Speed Racer” e “Cloud Atlas”) que assumem o roteiro e parte da produção. Os criadores de “Matrix” misturam política, terrorismo e histórias em quadrinhos em um filme de contorno polêmico. Dirigida por James McTeigue (Ninja Assassino, 2009), o cineasta entrega uma produção de qualidades muito relativas, mas que com o tempo tornou-se cult e membro seleto numa gama de filmes que pregam a revolução em seu enredo.


Guy Fawkes é história e parte da fonte inspiradora para "V de Vingança". Quando Alan Moore escreveu a minissérie em quadrinhos V de Vingança, a Inglaterra estava no auge do thatcherismo, um período de aparência fascista e opressora organizado pela primeira-ministra Margareth Thatcher. Com uma perspectiva negra de futuro, Alan Moore materializa seus anseios, combinando passado, presente e futuro na figura de V. O personagem principal tem como inspiração a figura histórica de Guy Fawkes, conspirador católico que com outras 12 pessoas tentaram explodir o Parlamento Britânico em 5 de novembro de 1605. O período era drástico e o povo sofria com a falta de condições de sobrevivência e a ineficiência do poder supremo. A história relata a prisão dele de posse de 36 barris de pólvora no porão do Palácio de Westminster que seriam utilizados em seu atentado. Quando deflagrado, o responsável foi condenado à forca por crime contra o Império. O acontecimento é um marco da história da Inglaterra. O plano batizado de "Conspiração da Pólvora" gerou uma comemoração chamada "Noite das Fogueiras", que inclusive hoje ainda é festejada com fogos de artificio em lembrança aos acontecimentos históricos que marcaram essa data no Reino Unido. "V de Vingança" teve uma produção marcada de complicações das mais variadas. Para começar, boatos maliciosos sobre os bastidores dessa produção. Dissiparam-se histórias pela internet que a direção de McTeigue (assistente de direção em Matrix Reloaded e Matrix Revolutions) foi na verdade comandada pelos irmãos Wachowski em tom de sigilo. Além disso, some a demissão contundente do ator principal a meio caminho das filmagens, salva pela contratação acertada de Hugo Weaving, sem falar das costumeiras reprovações iradas de Alan Moore sobre suas criações.

Desafios superados, "V de Vingança" está ótimo da forma como ficou, seja narrativamente ou apenas por seu visual estarrecedor. Produção técnica caprichada, a direção de arte se mostra criativa e respeitosa com a arquitetura de Londres, como ao mesmo tempo audaciosa nas alterações necessárias para compor uma ambientação apropriada ao enredo. Os efeitos visuais são espalhados de forma discreta pela película e as sequências de ação em sua maioria são moderadas e funcionais. A Inglaterra futurista idealizada pela produção consegue acomodar uma trama enigmática e surpreendente sem esforço. De certo modo, o material original foi transposto para o formato cinematográfico com várias alterações em comparação a sua fonte, mas não perdeu a essência da obra que consagrou o trabalho de Alan Moore (o contexto politico que permeia toda obra continua inalterado). Hugo Weaving transpõe um personagem eloquente e carismático, embora oculto pela máscara. Sua interpretação é puramente gestual, conferindo ainda assim grande presença de tela ainda que não se visse a face do protagonista. Suas falas, na grande maioria, não são apenas ditas, mas proclamadas em tom teatral de grande fervor e paixão. Natalie Portman além de belíssima, ela esbanja talento e emoção ao incorporar as dores e emoções de seu bem feitor. Mas não se restringindo apenas aos protagonistas, que dispensam maiores elogios, o elenco de apoio dá o tom exato do nível de repressão que essa sociedade é sentenciada diariamente, e a qualidade alcançada pela produção. Todos sofrem com as limitações dessa ditadura imposta pelo governo – a censura que o apresentador de TV Gordon Dietrich (Stephen Fry) é submetido, ou a influência que se regime opressor tem sobre as autoridades, como no caso do investigador Finch (Stephen Rea), são exemplos do que está errado nessa sociedade motivando V a revelar ao povo quem são os verdadeiros terroristas. 


Descrever o trabalho de McTeigue sem abordar o conteúdo politico é inaceitável. Como Guy Fawkes, o vigilante mascarado toma uma atitude extrema em seu tempo como uma solução para fazer justiça aos menos favorecidos. Indícios disso vêm através de frases bem pontuadas como essa proferida anterior ao anúncio da inevitável erradicação da mentira: “É a Madame Justiça que dedico este concerto, em honra as férias que ela parece ter tirado deste local, e em reconhecimento ao impostor que ficou no lugar dela” ou “Artistas usam mentiras para falar a verdade, e políticos mentem para encobri-la”. Frases aprazíveis assim trazem a emoção que o protagonista procura desencadear no espectador, para que possamos refletir sobre os fatos que rodeiam nossa realidade. Mesmo que muitos possam rotular esse filme como subversivo em demasia, “V de Vingança” apenas tenta provocar reflexão sobre política, ditadura, democracia, preconceito, amor e tantos outros assuntos através da arte que tem entre muitas outras serventias, despertar a consciência de certas verdades. O longa-metragem funciona como uma máscara para dissipar uma ideia, perceptivelmente frágil nas mãos de um único homem, mas abraçada e defendida por um povo comprometido com a justiça e a verdade, tem a capacidade de ser indestrutível mesmo diante do mais temível tirano. Como o próprio protagonista a certa altura afirma: “Por trás desta máscara há mais do que carne e sangue; por trás desta máscara há uma ideia, e as ideias são à prova de bala”.

Nota: 8/10

quinta-feira, 7 de maio de 2015

The Walk | Robert Zemeckis leva Joseph Gordon-Levitt às alturas


First Impressions: “The Walk” leva Joseph Gordon-Levitt às alturas. Esse será o próximo drama biográfico estadunidense dirigido por Robert Zemeckis, o qual foi escrito pelo próprio Zemeckis em parceria com Christopher Browne. Baseado na história de vida do artista francês Philippe Petit “funambulou”, que ficou famoso em 1974, quando fez uma caminhada entre as Torres Gêmeas do World Trade Center em uma corda de aço de 61 metros (em oito passagens e com direito a dança e muitos cumprimentos), a cerca de 400 metros de altura num tempo de 45 minutos. O filme tem no elenco nomes como Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingley, James Badge Dale, Bem Schwartz, Steve Valentine e Charlotte Le Bom. A primeira vista: Um cartaz vertiginoso, um trailer em tom épico e Robert Zemeckis nos créditos. Ainda não vi Zemeckis ser responsável por alguma decepção, pelo menos em live-action
Programado para ser lançado em 02 de outubro de 2015 pela Tristar Pictures.

Confira o trailer: 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Crítica: Ela | Um Filme de Spike Jonze (2013)


Numa Los Angeles futurista, Theodore (Joaquin Phoenix) é um talentoso escritor de cartas às quais são endereçadas para pessoas sob a encomenda de seus remetentes. Recém-separado de sua esposa, Theodore vive solitário após o divórcio com evidentes dificuldades de se adaptar ao seu novo estado civil. Nessa solidão, ele adquire um surpreendente sistema operacional que se auto intitula Samantha (que usa a voz de Scarlett Johansson) que tem a promessa de amenizar as dores do abandono de sua esposa e do consequente distanciamento social que esse evento resultou.  Sendo uma entidade provida de intuições e conhecimentos adequados perfeitamente ao seu usuário, esse programa interativo torna-se fascinante desde o primeiro momento. Mas para sua surpresa, Theodore acaba se apaixonando pela personalidade do software onde que se inicia uma estranha relação amorosa. “Ela” (Her, 2013) é uma produção estadunidense escrita, produzida e dirigida por Spike Jonze (responsável por filmes como “Quero Ser John Malkovich”, “Onde Moram os Monstros”, entre outros). Flertando com vários gêneros de modo inusitado (ficção cientifica, fantasia e comédia), Jonze surpreende o espectador com sua obra. Para todos os efeitos, essa produção se inicia como uma comédia dramática genial. Passada num futuro distópico imensamente criativo até se mostrar um delicado romance, Jonze recheia sua estranha história de amor com uma forte crítica ao modo como o homem contemporâneo lida e se relaciona com os avanços da tecnologia, e cada vez menos com o ser humano.


Ela” é um longa-metragem típico de seu realizador. Responsável por filmes ligeiramente estranhos e imensamente criativos, Spike Jonze não se distancia de seu estilo e marca essa produção também com sua originalidade. Conferindo perspectivas pessimistas para o futuro evidenciado por mudanças sociais contemporâneas onde cada vez mais as pessoas trocam as relações humanas legítimas por interações digitais, sua obra vem no tom alerta ao espectador. É certo que esse fenômeno retrata muito do presente, e seu realizador antenado com isso cria uma obra que retrata uma tendência crescente da atualidade com visão e genialidade. Curiosamente esse aspecto é encarado com muita naturalidade dentro do enredo do trabalho de Jonze, e abrilhantado ainda mais pela interpretação de Joaquin Phoenix, um ator sempre aberto a novos desafios de atuação. Após a separação, Theodore se afunda na solidão embora esteja completamente cercado de pessoas. Sua resignação é uma consequência comum de sua condição, mas solucionada com uma medida extraordinária muito bem explorada pelo roteiro, que toca em vários aspectos dessa situação e abrange de forma original o seu destino. Tanto que o roteiro de “Ela” foi premiado como o Melhor Roteiro Original no Oscar 2014, embora ainda tenha tido indicações outras categorias e sido premiado em outros eventos de grande importância. Mas esse longa possui outros requintes, que se encontram no elenco de apoio afinado com a proposta, como na aparência do filme em si que demonstra elegância e leveza.

Sobretudo, Ela” pode ser considerado um drama romântico de ritmo lento em sua maior parte, quase totalmente, mas de uma profundidade instigante pelo cenário em seu contexto tão próximo da realidade. Embora a crescente evolução da tecnologia seja sempre recepcionada com muito anseio e satisfação, um orgulho da aproximação de cabeças pensantes da grande massa, em contrapartida também pode ser considerada um retrocesso evolutivo de comportamentos antiquados ainda que saudáveis. Por isso, “Ela” pode ser entre tantas coisas, também um acessório de reflexão para onde caminha a humanidade.

Nota:   8/10