sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Crítica: 007 – Cassino Royale | Um Filme de Martin Campbell (2006)



Para qualquer um que tenha entortado o nariz para as aventuras do agente James Bond anterior a esse filme, principalmente nos últimos episódios, esse espectador pode e deve reavaliar seu julgamento quanto a uma das maiores franquias da história do cinema. Através desse longa-metragem, que resgata suas origens (que é baseada no primeiro livro de Ian Fleming) mostra a melhor aventura do agente secreto em décadas. Com a escolha de um protagonista que gerou polêmica entre fãs e uma narrativa mais “realista”, esses aspectos fazem desse filme intitulado "007 – Cassino Royale" (Casino Royale, 2006) uma das melhores surpresas dessa resistente série, que soube se reinventar na hora certa e cativar novamente um público que via no personagem James Bond um ícone desfigurado criativamente. 


Com uma introdução retrô (filmada em preto-e-branco) logo de cara somos familiarizados com a promoção a 00 que o espião inglês James Bond (Daniel Graig) conquista ao assassinar duas pessoas. A primeira morte é exibida de forma crua, violenta e extremamente realista. Enquanto a segunda, de um membro da inteligência britânica é mostrada de forma elegante e igualmente fatal. Após uma promoção merecida, não demora muito para que o desajustado agente especial inflame o ânimo de sua chefe M (Judi Dench) resultante de uma perseguição emocionante a um terrorista em Madagascar que ganha destaque internacional. Como era de se esperar de Bond, ele não descansa e segue as pistas que o levam a impedir um atentado terrorista a um avião. Seu sucesso nessa missão o leva a se confrontar com Le Chiffre (Mads Mikkelsen) que endividado com seus contratantes devido ao fracasso da explosão, precisa reaver o dinheiro perdido de seus investidores em uma mesa de pôquer no Cassino Royale. Porém Bond tenta vencer Le Chiffre em seu jogo, para poder chantageá-lo em troca dos nomes das verdadeiras mentes criminosas por trás de seu personagem, contanto que convença Vesper Lynd (Eva Green) uma contadora do MI6 representante do tesouro inglês, que pode ganhar no jogo e ter sucesso na missão.

Esse filme põe todas as cartas na mesa ao mostrar uma versão humana de James Bond nunca antes vista, e abre mão de elementos marcantes da série (o agente dispensa bugigangas malucas) atendo-se a uma abordagem mais realista em comparação aos parâmetros pré-estabelecidos pela produção, como também apresenta um antagonista igualmente humano, descartando objetivos como dominar o mundo, destruí-lo ou coisa parecida. O único objetivo do vilão é ganhar dinheiro, umas das metas mais humanas que se poderia imaginar como motivação pessoal. Isso sem contar com a personagem de Eva Green, que possivelmente foi até então uma das Bond Girls mais inteligentes e lindas que cruzaram o caminho do agente especial, tanto que, não pudera foi talvez à única mulher pela qual James realmente nutriu algum sentimento verdadeiro em sua trajetória. Apesar de um flerte relâmpago com Caterina Murino, o protagonista demonstra estar mais responsável e obstinado em seu papel dentro da espionagem, como a Bond Girl deixa de ser somente um rostinho bonito dentro da trama. 

Uma das concessões mais acertadas dessa produção, talvez tenha sido a eliminação das extravagâncias tecnológicas ao qual o personagem era munido a cada episódio. De carros controlados por controle remoto a carros invisíveis, esses exageros delirantes apagavam o brilhantismo do personagem. Os carros luxuosos e sofisticados ainda transitam pelo longa, mas atidos rodar como máquina de transporte e mais nada. A ação de espionagem fica a cargo da astúcia do personagem e a recursos mais sintonizados com a realidade do que com a ficção cientifica, aproximando a imagem de James Bond a outros agentes como Jason Bourne e Jack Bauer antenados com seu tempo, e que por sinal não fizeram feio diante do ícone inglês.

A trama mais movimentada e violenta é outra escolha bem sucedida desse longa. Não que as anteriores não tivessem esse elemento, mas não com tamanha competência. A sequência inicial bem ao estilo made in Hong Kong dá a noção exata disso. Dessa vez, James soa e sangra como nunca antes aconteceu – coisa rara em si tratando de Bond – usando toda sua aparência atlética como elemento fundamental para dar coerência ao enredo e delírio ao público feminino. A cena da tortura entra em um seleto rol de sequências do gênero memoráveis pelo sua desenvoltura angustiante ao mesmo tempo hilária. No entanto, não é apenas de músculos e socos que o protagonista se arma para convencer, pois as estratégias de espionagem e as nuances de seu personagem estão presentes e ativas – seu comportamento na mesa de jogo é fomentado com base na técnica de jogadores profissionais. Seus diálogos mais marcantes não se resumem a uma dúzia de frases feitas, e sim a duelos verbais antológicos, onde um deles, talvez um dos melhores, é divido com a personagem de Eva Green quando se conhecem nas dependências de um trem a caminho do Cassino, ou quando se deslocavam em direção ao hotel onde se hospedariam.

E se a trama é boa, deve-se a contribuição feita pelo roteiro de Paul Haggis que divide os créditos com os roteiristas convencionais da franquia. Mexeram com precisão no livro que inspirou esse filme, destilando e fazendo acertos na transposição literária para versão cinematográfica perfeitamente. Diretores como Quentin Tarantino já mencionaram ter interesse em transpor o livro de Ian Fleming para a telona, quando Pierce Brosnan ainda desempenhava o papel de James Bond, desde que a história se seguisse após os eventos ocorridos em “007 A Serviço de Sua Majestade”. Mas a produtora Barbara Broccoli já enfatizava que Tarantino era um cineasta único em sua forma de criação, o descartando pelo fato da franquia ter certos critérios narrativos que necessitam ser preservados sem alterações.

Por sua vez, Martin Campbell que já havia dirigido “007 – Um Novo dia para Morrer” foi incumbido da tarefa de mostrar a revolução da série. Depois de dirigir um dos maiores sucessos de bilheteria da franquia, ele ficou responsável por apresentar as novas gerações um James Bond diferente do qual seus pais conheceram. Mas nem tudo é alegria: o prolongamento da trama que enfoca o par romântico Craig/Green em um terceiro ato após um presumido clímax se demonstra extenso demais, demonstrando um excesso tempo desnecessário apesar de bem realizado.

"007 – Cassino Royale" volta no tempo e se apresenta como uma ótima diversão que há tempos não víamos na franquia. Mostrando um James Bond recriado do zero, marcantemente repaginado e que agora tem um ator que injeta perigo e arrogância em sua postura (bem diferente do anterior) através de uma narrativa que abandona de vez o fantástico pelo realismo. Simplesmente, essa produção apresenta o melhor Bond desde a aposentadoria de Sean Connery.

Nota: 8,5/10


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